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Entropia e Big Bang I

As leis da física que têm sido concebidas desde os tempos de Newton, passando por Maxwell, Einstein e vindo até aos nossos dias, mostram uma completa simetria entre passado e futuro. As leis da física declaram que o café não só se mistura com o leite como também se pode separar dele; o ovo não só se parte como também se pode reunir de novo num ovo intacto; um cubo de gelo num copo de água à temperatura ambiente pode voltar a formar-se. Estes fenómenos são conhecidos como “simetria de inversão do tempo”, se uma sequência de eventos se pode desenrolar numa dada ordem temporal, também se pode desenrolar ao contrário. Mas por que razão não vemos tais coisas? Porque não vemos ovos partidos e voltarem a unir-se? Porque não vemos o gás de uma lata a voltar para dentro desta?

Fazer com que todos os detritos caóticos do ovo repetissem os seus percursos seria imensamente mais difícil. Precisaríamos de agarrar todos os pedaços do ovo dispersos e de lançar cada um deles em simultâneo com as mesmas velocidades, mas em sentidos opostos.

Numa garrafa de refrigerante, quando um gás, CO2 que estava inicialmente confinado à garrafa, se dispersa uniformemente numa sala, há muitos rearranjos possíveis das moléculas individuais que não terão nenhum efeito assinalável. A configuração de um gás disperso não é afectada por um número enorme de rearranjos dos seus constituintes moleculares, e por isso está num estado de entropia elevada ( ou pouca ordem). A configuração inicial de baixa entropia (ou ordem elevada), com todo o gás aconchegado numa região pequena, evolui naturalmente para a configuração de alta entropia, com o gás uniformemente disperso no espaço maior.

O raciocínio estatístico e probabilístico deu-nos a segunda lei da termodinâmica. Por sua vez, a segunda lei deu-nos uma diferença intuitiva daquilo a que chamamos passado e aquilo a que chamamos futuro. Deu-nos uma explicação prática do porquê de certas coisas na vida do dia-a-dia começarem desta maneira e terminarem daquela, embora nunca as vejamos a começarem daquela maneira e terminarem desta.

Já que as leis da física de Newton não têm uma orientação temporal incluída, todo o raciocínio que usámos funciona igualmente bem no sentido do passado. Assim, não só existe uma probabilidade grande de que a entropia de um sistema seja maior naquilo a que chamamos o futuro, como existe a mesma probabilidade de que tenha sido maior naquilo a que chamamos passado.

Se um sistema físico não possuir a máxima entropia possível, é provável que esse sistema físico venha a ter subsequentemente uma entropia maior e que tenha tido previamente maior entropia. A seta do tempo entrópica aponta para os dois lados. Este raciocínio produz conclusões precisas e sensatas quando aplicado num sentido temporal, mas dá origem a conclusões aparentemente grosseiras e ridículas quando aplicado no sentido daquilo a que chamamos o passado.

De facto, a história da ciência moderna está repleta de exemplos em que a matemática fez previsões que pareciam contrariar tanto a intuição como a vida do dia-a-dia, mas que as experiências e observações foram capazes de confirmar. Os físicos aperceberam-se de que a matemática, quando usada com cuidado suficiente, é um trilho para a verdade que podemos seguir com confiança.

Quando olhamos à nossa volta, aquilo que vemos reflecte uma grande quantidade de organização biológica, estrutura química e ordem física. Embora o universo pudesse ser uma confusão completamente desorganizada, não o é. Porquê? De onde veio a ordem? É extremamente improvável que o universo que vemos tenha evoluído de um estado ainda mais ordenado. É de longe mais provável que todo o universo que vemos agora tenha surgido como uma flutuação estatística rara de uma configuração normal de alta entropia, completamente desordenada.

Se o universo esperar tempo suficiente, o seu estado usual, de alta entropia, altamente provável e totalmente desordenado acabará, mais cedo ou mais tarde, atravéz das suas próprias colisões, agitações e fluxos aleatórios de partículas e de radiação, por coalescer na configuração que vemos neste preciso momento. Os nossos corpos emergiram do caos. Tudo aquilo que sabemos equivaleria a nada mais que uma flutuação estatística rara.

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2 comentários:

Vagando no Espaço disse...

Excelente texto!
Claro, simples e preciso.
Parabéns!
(fiz uma postagem com um link apontando para ele - algum problema?)

Dário Cardina Codinha disse...

Estás à vontade. Obrigado

03/01/2008

Entropia e Big Bang I

As leis da física que têm sido concebidas desde os tempos de Newton, passando por Maxwell, Einstein e vindo até aos nossos dias, mostram uma completa simetria entre passado e futuro. As leis da física declaram que o café não só se mistura com o leite como também se pode separar dele; o ovo não só se parte como também se pode reunir de novo num ovo intacto; um cubo de gelo num copo de água à temperatura ambiente pode voltar a formar-se. Estes fenómenos são conhecidos como “simetria de inversão do tempo”, se uma sequência de eventos se pode desenrolar numa dada ordem temporal, também se pode desenrolar ao contrário. Mas por que razão não vemos tais coisas? Porque não vemos ovos partidos e voltarem a unir-se? Porque não vemos o gás de uma lata a voltar para dentro desta?

Fazer com que todos os detritos caóticos do ovo repetissem os seus percursos seria imensamente mais difícil. Precisaríamos de agarrar todos os pedaços do ovo dispersos e de lançar cada um deles em simultâneo com as mesmas velocidades, mas em sentidos opostos.

Numa garrafa de refrigerante, quando um gás, CO2 que estava inicialmente confinado à garrafa, se dispersa uniformemente numa sala, há muitos rearranjos possíveis das moléculas individuais que não terão nenhum efeito assinalável. A configuração de um gás disperso não é afectada por um número enorme de rearranjos dos seus constituintes moleculares, e por isso está num estado de entropia elevada ( ou pouca ordem). A configuração inicial de baixa entropia (ou ordem elevada), com todo o gás aconchegado numa região pequena, evolui naturalmente para a configuração de alta entropia, com o gás uniformemente disperso no espaço maior.

O raciocínio estatístico e probabilístico deu-nos a segunda lei da termodinâmica. Por sua vez, a segunda lei deu-nos uma diferença intuitiva daquilo a que chamamos passado e aquilo a que chamamos futuro. Deu-nos uma explicação prática do porquê de certas coisas na vida do dia-a-dia começarem desta maneira e terminarem daquela, embora nunca as vejamos a começarem daquela maneira e terminarem desta.

Já que as leis da física de Newton não têm uma orientação temporal incluída, todo o raciocínio que usámos funciona igualmente bem no sentido do passado. Assim, não só existe uma probabilidade grande de que a entropia de um sistema seja maior naquilo a que chamamos o futuro, como existe a mesma probabilidade de que tenha sido maior naquilo a que chamamos passado.

Se um sistema físico não possuir a máxima entropia possível, é provável que esse sistema físico venha a ter subsequentemente uma entropia maior e que tenha tido previamente maior entropia. A seta do tempo entrópica aponta para os dois lados. Este raciocínio produz conclusões precisas e sensatas quando aplicado num sentido temporal, mas dá origem a conclusões aparentemente grosseiras e ridículas quando aplicado no sentido daquilo a que chamamos o passado.

De facto, a história da ciência moderna está repleta de exemplos em que a matemática fez previsões que pareciam contrariar tanto a intuição como a vida do dia-a-dia, mas que as experiências e observações foram capazes de confirmar. Os físicos aperceberam-se de que a matemática, quando usada com cuidado suficiente, é um trilho para a verdade que podemos seguir com confiança.

Quando olhamos à nossa volta, aquilo que vemos reflecte uma grande quantidade de organização biológica, estrutura química e ordem física. Embora o universo pudesse ser uma confusão completamente desorganizada, não o é. Porquê? De onde veio a ordem? É extremamente improvável que o universo que vemos tenha evoluído de um estado ainda mais ordenado. É de longe mais provável que todo o universo que vemos agora tenha surgido como uma flutuação estatística rara de uma configuração normal de alta entropia, completamente desordenada.

Se o universo esperar tempo suficiente, o seu estado usual, de alta entropia, altamente provável e totalmente desordenado acabará, mais cedo ou mais tarde, atravéz das suas próprias colisões, agitações e fluxos aleatórios de partículas e de radiação, por coalescer na configuração que vemos neste preciso momento. Os nossos corpos emergiram do caos. Tudo aquilo que sabemos equivaleria a nada mais que uma flutuação estatística rara.

2 comentários:

Vagando no Espaço disse...

Excelente texto!
Claro, simples e preciso.
Parabéns!
(fiz uma postagem com um link apontando para ele - algum problema?)

Dário Cardina Codinha disse...

Estás à vontade. Obrigado

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