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Auto-organização de sistemas químicos


As espécies químicas denominadas anfifílicas -que incluem os detergentes e alguns lípidos - contêm uma parte hidrofílica (que «gosta» de água), e uma hidrofóbica (que não «gosta» de água). Por este motivo, estas espécies agregam-se na presença de água, formando, por exemplo, micelas ou bicamadas. Esta capacidade de auto-organização (self-assembly) consiste na formação (espontânea) de estruturas complexas a partir de componentes simples.

Os detergentes, como o detergente aniónico representado na figura, são um exemplo banal de auto-organização de moléculas simples. Os detergentes devem a sua acção de limpeza ao facto de formarem aglomerados auto-organizados de forma globular, as micelas, que dissolvem no seu interior todo o «lixo» orgânico não solúvel em água (gorduras, etc.).

Outro exemplo de uma estrutura auto-organizada, que permite a realização de tarefas que os componentes isolados são incapazes de promover, é a membrana celular. A membrana celular é constituída essencialmente por proteínas e lípidos. As membranas das células animais contêm colesterol, um lípido igualmente, o que não acontece nas células vegetais, que possuem outros esterois. Quanto maior for a concentração de esterois, menos fluida será a membrana. Os fosfolípidos são os lípidos mais abundantes nas membranas celulares e assim um vesículo gigante (GUV) de fosfolipídos é o modelo estrutural mais simples de uma célula.

Os fosfolípidos são ésteres de glicerol - que esterificado com três ácidos gordos dá origem aos chamados triglicéridos. Num fosfolípido, o glicerol está ligado a dois ácidos gordos e o terceiro grupo -OH liga-se a um dos oxigénio do grupo fosfato. A outro dos oxigénios do grupo fostato podem estar ligados grupos neutros ou com carga, como a colina, a etanoamina, o inositol, o glicerol ou outros. Qunado o grupo a que o fosfato se liga é a colina, temos as fostatidilcolinas - como a representada na figura que hidrolisada dá origem a um ácido gordo saturado, o ácido esteárico e um insaturado, o ácido oleico - igualmente chamadas lecitinas.

Na figura que se segue é esquematizada a auto-organização dos fosfolípidos em bicamadas. Estruturas deste tipo incluem, para além das membranas celulares, lipossomas e estruturas muito importantes a nível biológico, os vesículos sinápticos - onde são armazenados neurotransmissores e neuromoduladores, as substâncias químicas usadas para transmitir informação entre as células.



Em conclusão, um argumento pseudo-científico recorrente contra a evolução consiste na afirmação de que é impossível algo na natureza tornar-se mais «organizado» sem a intervenção de um desígnio inteligente. Por muita habilidade retórica que seja utilizada no disparate debitado, este é completamente falso. Existem inúmeros exemplos na natureza de sistemas auto-organizados e não é necessário invocar qualquer «intervenção inteligente» para explicar a sua existência, bastam alguns conhecimentos de química básica.

Como referi há algum tempo, alguns compostos capazes de self-assembly encontram-se no espaço interestelar, sintetisados de forma abiótica a partir dos elementos produzidos nas estrelas. Na realidade, não há quaisquer dúvidas sobre a síntese abiótica de moléculas orgânicas, quer em planetas e luas sem qualquer evidência de vida quer no espaço interestelar.

A maioria das pessoas não segue as últimas descobertas da NASA nem repara nos processos espontâneos de auto-organização que acontecem no seu quotidiano. Mas não há nenhum milagre envolvido em lavar a louça nem é necessário invocar uma inteligência externa ou forças sobrenaturais para explicar a formação das micelas que permitem ao detergente cumprir a sua função. Aliás, pensar que tal é necessário é uma forma de demissão de tentar perceber como funciona o único mundo que conhecemos, um mundo natural regido por leis naturais.

Apenas quando deixámos de aceitar como necessária a intervenção de agentes sobrenaturais, começámos a conseguir explicar o mundo à nossa volta e começámos a conseguir controlar fenómenos, como doenças, produção de alimentos, produção de electricidade, etc., que permitiram a melhoria de qualidade de vida indispensável ao progresso ético da humanidade.


Retirado do blog De Rerum Natura

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1 comentários:

Anónimo disse...

Parabéns pelo seu blog.Que continue o seu esforço em prol da cultura científica. Obrigado.

09/11/2007

Auto-organização de sistemas químicos


As espécies químicas denominadas anfifílicas -que incluem os detergentes e alguns lípidos - contêm uma parte hidrofílica (que «gosta» de água), e uma hidrofóbica (que não «gosta» de água). Por este motivo, estas espécies agregam-se na presença de água, formando, por exemplo, micelas ou bicamadas. Esta capacidade de auto-organização (self-assembly) consiste na formação (espontânea) de estruturas complexas a partir de componentes simples.

Os detergentes, como o detergente aniónico representado na figura, são um exemplo banal de auto-organização de moléculas simples. Os detergentes devem a sua acção de limpeza ao facto de formarem aglomerados auto-organizados de forma globular, as micelas, que dissolvem no seu interior todo o «lixo» orgânico não solúvel em água (gorduras, etc.).

Outro exemplo de uma estrutura auto-organizada, que permite a realização de tarefas que os componentes isolados são incapazes de promover, é a membrana celular. A membrana celular é constituída essencialmente por proteínas e lípidos. As membranas das células animais contêm colesterol, um lípido igualmente, o que não acontece nas células vegetais, que possuem outros esterois. Quanto maior for a concentração de esterois, menos fluida será a membrana. Os fosfolípidos são os lípidos mais abundantes nas membranas celulares e assim um vesículo gigante (GUV) de fosfolipídos é o modelo estrutural mais simples de uma célula.

Os fosfolípidos são ésteres de glicerol - que esterificado com três ácidos gordos dá origem aos chamados triglicéridos. Num fosfolípido, o glicerol está ligado a dois ácidos gordos e o terceiro grupo -OH liga-se a um dos oxigénio do grupo fosfato. A outro dos oxigénios do grupo fostato podem estar ligados grupos neutros ou com carga, como a colina, a etanoamina, o inositol, o glicerol ou outros. Qunado o grupo a que o fosfato se liga é a colina, temos as fostatidilcolinas - como a representada na figura que hidrolisada dá origem a um ácido gordo saturado, o ácido esteárico e um insaturado, o ácido oleico - igualmente chamadas lecitinas.

Na figura que se segue é esquematizada a auto-organização dos fosfolípidos em bicamadas. Estruturas deste tipo incluem, para além das membranas celulares, lipossomas e estruturas muito importantes a nível biológico, os vesículos sinápticos - onde são armazenados neurotransmissores e neuromoduladores, as substâncias químicas usadas para transmitir informação entre as células.



Em conclusão, um argumento pseudo-científico recorrente contra a evolução consiste na afirmação de que é impossível algo na natureza tornar-se mais «organizado» sem a intervenção de um desígnio inteligente. Por muita habilidade retórica que seja utilizada no disparate debitado, este é completamente falso. Existem inúmeros exemplos na natureza de sistemas auto-organizados e não é necessário invocar qualquer «intervenção inteligente» para explicar a sua existência, bastam alguns conhecimentos de química básica.

Como referi há algum tempo, alguns compostos capazes de self-assembly encontram-se no espaço interestelar, sintetisados de forma abiótica a partir dos elementos produzidos nas estrelas. Na realidade, não há quaisquer dúvidas sobre a síntese abiótica de moléculas orgânicas, quer em planetas e luas sem qualquer evidência de vida quer no espaço interestelar.

A maioria das pessoas não segue as últimas descobertas da NASA nem repara nos processos espontâneos de auto-organização que acontecem no seu quotidiano. Mas não há nenhum milagre envolvido em lavar a louça nem é necessário invocar uma inteligência externa ou forças sobrenaturais para explicar a formação das micelas que permitem ao detergente cumprir a sua função. Aliás, pensar que tal é necessário é uma forma de demissão de tentar perceber como funciona o único mundo que conhecemos, um mundo natural regido por leis naturais.

Apenas quando deixámos de aceitar como necessária a intervenção de agentes sobrenaturais, começámos a conseguir explicar o mundo à nossa volta e começámos a conseguir controlar fenómenos, como doenças, produção de alimentos, produção de electricidade, etc., que permitiram a melhoria de qualidade de vida indispensável ao progresso ético da humanidade.


Retirado do blog De Rerum Natura

1 comentários:

Anónimo disse...

Parabéns pelo seu blog.Que continue o seu esforço em prol da cultura científica. Obrigado.

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